sábado, 21 de julho de 2018

A Velha e a Casa

"I can only connect deeply or not at all." - Anais Nin

           Dizem que contos de fadas são invenções para entreter as crianças. Dizem que sonhos são respostas de seu inconsciente a preocupações cotidianas. Dizem que nada está escrito em pedra. Dizem que o futuro é incerto. 
          Gosto de acreditar na história japonesa que diz que as pessoas que você conhece passam a estar conectadas a você por uma linha vermelha presa ao seu dedo mindinho. Curioso como tanta gente passa pela nossa vida. E quanta gente passa a ter uma importância vital, por conta de alguma decisão que tomamos, algum "sim" algum "não". E nos apegamos a ideia de que não seria possível a vida sem elas. Ou que ela seria mortalmente tediosa. Eu, por mim, não queria me apegar a esse tipo de noção, de que seria capaz de me prender a um lugar, a uma pessoa, a uma história. Sempre me pareceu um grande desperdício, com tanta coisa a se explorar e conhecer e ver e viver. 
           Não me arrependo. Vendo hoje as linhas minúsculas que se formaram, despercebidas ao longo dos tempos ocupados, a preencherem meu rosto cansado, porém resoluto. Tenho minhas lembranças para me consolar nos tempos de dúvida e solidão. A consciência fraqueja ao longo do dia, e muitas vezes me pego pensando em tempos mais agitados e felizes, enquanto a água do café se esvai, evapora. Sentada em minha cadeira de balanço, no topo do mundo, bebo me café e me afogo em lembranças. O visual daqui é realmente de tirar o folego, como disse o ansioso vendedor, que se despediu como se estivesse se desfazendo de um grande peso. Na hora uma sombra se assomou em minha mente: "Teria sido um mau negócio, afinal?". Não consegui realmente acreditar nisso. Olhando a paisagem que se apresentava à frente: um vasto conjunto de morros e pequenas colinas à esquerda, com uma parede de árvores frondosas à minha direita. Em frente, uma lago calmo e profundo e escuro, como a mente humana. Lembro-me de passar horas e horas observando esse lago e meditando sobre eventos passados e vindouros. 
          Então, já não era considerada mais uma moça, tampouco era de fato uma senhora. Adquirir a propriedade foi um impulso. Pareceu certo, um lugar calmo, vasto, para contrapor toda uma vida de agitações e pequenos quartos encardidos.
          Mas ninguém se interessa por rememorações de uma velha, em quem os cabelos brancos já ultrapassam em muito os demais. Jeremy diz que é porque sempre contamos as mesmas histórias como se fosse a primeira vez, sem nos darmos conta de que é a décima, ou pior ainda, que acrescentamos detalhes a cada contagem. Vou então, fazer um breve relato sobre a minha vida antes de ela realmente começar. Parece certo deixar um relato de sua vida, quando ela está tão próxima de terminar. Ou talvez seja apenas a arrogância de achar que somos tão importantes, ou que nossa vida seja tão interessante a ponto de alguém se interessar por lê-la. 

          Minha vida pode ser dividida em duas partes, antes e depois. 

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