sábado, 4 de agosto de 2018

Antes

"Lucy, não pode brincar com os meninos!", Ana lamentava. A irmã nunca seguia as ordens dos pais. "Porque tenho que cuidar dessa criança?". Lucy era destemida, sempre buscando ação e confusão. As brincadeiras das garotas nunca foram suficiente para o tanto de energia de que dispunha.

Lucy acorda. Agora não é mais uma criança de pele lisa. Já não tem mais a irmã para lhe dizer o que é certo e o que é errado. Abre os olhos lentamente, pois sua cabeça dói de forma insuportável. Onde estou? Senta-se com cuidado e analisa o quarto ao seu redor. Madeira. Tudo parece ser feito de madeira. Há roupas jogadas por todo canto. Um cinzeiro transborda no criado mudo a seu lado da cama. Eu não tinha parado de fumar? Quando seus olhos se acostumam a penumbra, consegue enxergar os ponteiros do relógio caído ao pé da parede. Passam das três da madrugada. Como diabos eu vim parar aqui? O lugar cheira a sapato sujo, molhado. Não há nada a que sua mente consiga se agarrar para formar uma lembrança coerente.

Uma luz se acende no comodo ao lado. Uma sensação de pavor intensa sobe por sua garganta. Seu corpo gela em expectativa. Seja o que for que vai acontecer, sua mente parece já ter passado pelo mesmo. Pés desconhecidos se arrastam em direção à porta do quarto. A maçaneta gira. O tempo para. Preciso de uma arma. Algo para me defender. Preciso fugir daqui. Não posso fazer nenhum barulho. Sua mente trabalha no limite. Lágrimas ameaçam turvar sua visão. Não! Preciso enxergar. Ela tenta se controlar. Seu peito dói. A vontade de gritar a atormenta. Não posso gritar. Isso já aconteceu.

A porta se abre. Um homem entra no quarto, trazendo um copo de alguma coisa fumegante. "Já acordou, Docinho?" Seu sorriso é alarmante. Seus olhos transparecem o desejo. Desejo desperto pelo pavor estampado no rosto de sua vítima. Ela parece mais calma. Deve ter aceitado seu destino. Preciso mudar isso. Preciso de alguma diversão. "Você precisa beber algo, Docinho. Não queremos desmaiar de novo, não é mesmo?". Essa vagabunda acha que vai escapar. "Aqui, tome um chocolate quente. Vamos conversar." Ele se aproxima cautelosamente. Ela já tentou fugir algumas vezes. E é muito forte quando está com raiva. Drogá-la foi a melhor decisão, mesmo que tire um pouco da diversão. Pelo menos não preciso de amarras. 

Ele entrega o copo a garota trêmula com um sorriso, a excitação da caça em antecipação. Ninguém ouvirá seus gritos. E se ouvirem, pouco importa. Aqui ninguém se mete.

Lucy aceita o copo e toma um gole sofregamente. Sua mente parece clarear um pouco. "Vamos, Docinho. Quero você bem for--" O homem alto e barrigudo nunca teve a chance de terminar sua fala. Lucy jogou o restante do conteúdo do copo em seu rosto. E enquanto ele gritava de dor pela queimadura, ela acertou sua cabeça com o cinzeiro. O cinzeiro era de pedra e se rachou ao meio, e o homem caiu desacordado no chão com um baque. Lucy levantou, tropega. Pegou o casaco que estava junto a porta. Parece que voltei a fumar. Pensou ela, e acendeu um cigarro. Foi ao comodo vizinho e pegou uma garrafa de uísque.

"Bebida pavorosa!" Disse ela derramando o conteúdo marrom sobre o homem. Sua última lembrança foi de uma explosão enquanto entrava no bosque próximo a casa. Ela parou para observar a beleza das chamas, mas logo perdeu o interesse pois o ar tão puro estava ficando saturado com a fumaça. Deu as costas, e partiu.

Que lugar é esse? Isso não para mais de acontecer? Olhou ao redor. Era noite, e estava próxima a uma fogueira, coberta em algum tipo de pele de animal. Sentou-se rapidamente para verificar sua situação. Estava só. Ouviu um barulho de folhas sendo pisadas, e um odor doce e almiscarado preencheu o ar. "Ah, parece que nossa hóspede acordou!" Disse um homem jovem. Jovem e forte. Droga! Aquele outro pelo menos parecia burro. Olhou ao redor em busca de alguma coisa que pudesse ser usada como arma. Não havia nada. Estava em uma clareira limpa no que parecia ser uma floresta. Talvez pudesse pegar um galho da fogueira.

Jeremy a observou cuidadosamente. Estava assustada e parecia querer se proteger dele. Que ideia mais engraçada. Como se eu que fosse o predador. Em voz alta disse: "Você não precisa se defender de mim. Seria incapaz de ferir outra criatura. Não aqui. Nem mesmo em autodefesa."

Ele se aproximou, a passos lentos para não assustar sua hóspede. Ao se aproximar da fogueira Lucy pode notar que usava calças do mesmo material que sua manta. Não vestia nada sobre o peito, e estava descalço. Descalço. Espera, aquilo são... 

Continua..

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