Ela foi para cama cedo porque tinha um mistério para resolver. E, claro, seus pais não a deixavam ficar acordada depois das 9h. O que era uma total injustiça. Mas hoje era sobre resolver o mistério do sumiço de seus dentes. Sempre que um caía, a mãe falava para colocar debaixo do travesseiro que uma fada do dente viria e levaria o dente, mas deixaria uns trocados para ela. Isso era suborno. Ela havia aprendido a palavra nova ao ouvir uma conversa dos pais, que ela não deveria estar ouvindo. Por isso, ela procurou a palavra na internet. Aparentemente só pessoas mal intencionadas fazem isso. Por que seus pais deixariam tal criatura entrar em seu quarto e levar os seus dentes? E o DNA? Ela havia aprendido essa assistindo um filme.
Assim, ela se decidiu por fingir que estava dormindo e tirar a história a limpo com a tal fada. Ela se deitou, e aguardou que seus pais viessem lhe desejar boa noite. Ao sair, eles apagaram a luz, deixando somente uma luminária do Olaf ligada. O quarto ficou então banhado por uma luz azulada. Ainda bem que não era o Olaf do olho no tornozelo. Isso seria assustador. Pensar nisso já era assustador. Ela se ajeitou na cama, e esperou. Não havia um relógio em seu quarto, portanto ela não sabia há quanto tempo estava esperando. Só sabia que parecia uma eternidade. O sono começou a tomar conta dela, seus olhos se fechavam involuntariamente. A sensação era tão gostosa e reconfortante que ela começou a ceder.
Quando estava quase dormindo ouviu um ruído que a despertou. Ela se sentou na cama e olhou em volta. - Droga. Mais uma acordada. - exclamou uma fada magra, com oclinhos sem hastes, e com cara de muito rabugenta. - O que há com as crianças de hoje em dia? A recompensa não é suficiente? - continuou ela com sua ladainha. De início a garota estava muito amedrontada, mas depois de ouvir o falatório sem fim da pequena fada, seu sentimento havia mudado para tédio. A fada parecia a Sra. Clark, a bibliotecária. Para a Sra. Clark o simples fato de respirar parecia uma afronta à integridade da biblioteca. E ela conhecia essa palavra porque a ouvira algumas vezes da própria Sra. Clark.
- Porque a senhora quer os meus dentes? - disse a garotinha, muito senhora de si, pois se sentia em seu direito de saber para onde iria uma parte de seu corpo.
- Isso não lhe diz respeito! - a fada retrucou. - Cada dia mais mal educados. - e continuou reclamando das crianças em geral. A menina se levantou irritada, pegou seu dente debaixo do travesseiro e mandou a fada ir embora da sua casa. A fada ficou surpresa e ainda mais irritada. Que audácia dessa pivete me interromper e ainda me expulsar sem o dente!
- Escute aqui mocinha, eu sou uma fada do dente. Logo, eu preciso do dente. Senão eu vou ser uma reles fada.
- Eu não ligo. Sai agora ou vou gritar. - a garotinha ameaçou.
- Eu não sou obrigada a passar por isso. - explodiu a fada. - São anos sem fim de trabalho, sem férias, aturando essas criaturas humanas. Escute aqui, - continuou ela séria. - a culpa é dos seus pais por te contarem a história da fada do dente. Se eles tivessem ficado de boca fechada eu não teria que vir até aqui. Cada dia menos crianças são levadas a acreditar nisso. Está havendo corte de pessoal, e redistribuição de trabalho pros que ficam. - a fada continuou reclamando. Parecia que não ia acabar mais, até que acabou. Ela tirou um celular do bolso e fez uma ligação. - Chefe, temos um problema aqui. - ela disse olhando feio para a garotinha. - Sim, mais uma detetive com pais cabeça de vento. - De repente eles começaram a discutir no telefone quem iria resolver a situação. E logo a fada explodiu de novo. - Eu me demito. Resolva você mesmo. Eu não sou obrigada a ficar ouvindo desaforo de criança mimada. Não está no contrato. - e com um puf a fada desapareceu.
A menina voltou para a cama, achando que tudo havia sido resolvido. Quando estava quase dormindo de novo, um rosnado a acordou.
- Então você é a criança problema. - disse o ser mais horripilante que a garota já tinha visto. Ele parecia ter queimaduras pelo corpo tudo, era peludo e tinha chifres encurvados e cascos. Ele a pegou pelos pés e disse: - Um pouco de medo vai te ensinar a respeitar os seres mágicos. - Então puf, desapareceram.
Os pais da menina ao ouvirem vozes no quarto dela se levantaram para verificar. O pai apareceu com um taco de beisebol na mão, e mãe atrás dele de camisola parecendo muito assustada. Ao entrarem no quarto a menina já havia sido trazida de volta. Ela tinha o olhar vago, como se estivesse pensando em algo. Seus pais começaram a fazer perguntas a ela, mas ela não parecia perceber. Então o pai a sacudiu de leve para que ela reagisse. A garotinha olhou em seus olhos e berrou o mais alto que pode, sem parar. Ao abrir a boca o sangue começou a escorrer. Não havia mais nem um dente em sua boca, somente um buraco vazio e barulhento.
Os pais tentaram acalmar a menina, mas não conseguiram, então chamaram uma ambulância.
Resumo da história: os pais foram presos por maus tratos. A garotinha cresceu num manicômio, sempre com o olhar vago em outro lugar. Nunca mais ela voltou a si, nem disse uma palavra sequer sobre o que havia acontecido naquela noite fatídica.
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